A obesidade, reconhecida como uma epidemia global pela Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge mais de 20% da população adulta brasileira, segundo dados não oficiais. No entanto, um debate acirrado entre especialistas, gestores e pacientes ganhou contornos dramáticos após a decisão de uma comissão técnica vetar a distribuição de Wegovy e Saxenda — medicamentos injetáveis para perda de peso — pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A medida, que impactaria milhares de pessoas, reacende discussões sobre prioridades na saúde pública, custos astronômicos e o estigma em torno do tratamento da obesidade.
Os Medicamentos em Questão: Esperança para Uns, Custo Insustentável para Outros
Wegovy (semaglutida) e Saxenda (liraglutida) são agonistas do receptor GLP-1, originalmente desenvolvidos para diabetes tipo 2, mas que ganharam notoriedade por promoverem perda de peso significativa. Estudos internacionais apontam redução de até 15% da massa corporal em pacientes com obesidade grave, além de benefícios cardiovasculares. No setor privado, são celebrados como revolucionários; no SUS, tornaram-se um dilema ético e financeiro.
A comissão responsável pela avaliação argumentou que os custos são “proibitivos”: um único paciente tratado com Wegovy consumiria cerca de R$ 1,2 mil por mês — valor que, multiplicado por milhares de usuários, comprometeria verbas de outras áreas. “Não há como sustentar essa despesa sem afetar programas essenciais, como pré-natal e tratamento de câncer”, defendeu um relatório interno obtido pela reportagem.
O Paciente no Centro do Furacão: Entre a Necessidade e a Negação
Para quem depende exclusivamente do SUS, a decisão soa como um golpe. Maria (nome fictício), 42 anos, moradora da periferia de São Paulo, vive com obesidade mórbida e comorbidades como hiensão e apneia do sono. “Já tentei tudo, mas sem acompanhamento especializado, não consigo emagrecer. Esses remédios eram minha última esperança”, desabafa. Casos como o dela ilustram o paradoxo: a obesidade é fator de risco para doenças custosas ao sistema, mas seu tratamento é visto como “não urgente”.
Médicos endocrinologistas criticam a visão reducionista. “A obesidade não é falha de caráter. É uma doença crônica que exige intervenção multiprofissional. Negar acesso a medicamentos comprovados é perpetuar um ciclo de agravos”, rebate Dra. Ana Lúcia Torres (nome fictício), membro de uma associação médica.
O Custo da Inação: O que Dizem os Números?
Estima-se que doenças relacionadas à obesidade consumam até R$ 5,8 bilhões anuais do SUS, incluindo internações por infarto, AVC e cirurgias bariátricas. Para defensores da inclusão dos medicamentos, o investimento inicial seria compensado pela redução de gastos futuros. “Prevenir complicações é mais barato que remediá-las. É matemática pura”, argumenta um economista da saúde.
A comissão, porém, contrapõe com dados de efetividade a longo prazo: “Não há garantia de que os pacientes manterão o peso após interromper o uso. Muitos podem recuperar quilos perdidos, tornando o custo-benefício questionável”.
A Guerra de Narrativas: Estigma vs. Evidência
O impasse reflete uma divisão ideológica. De um lado, gestores públicos pressionados por orçamentos enxutos; de outro, pacientes e profissionais que enxergam na decisão um reforço ao preconceito. “Há uma ideia perversa de que obesos ‘merecem’ menos recursos porque a doença é ‘autoprovocada'”, denuncia uma ativista de direitos humanos.
O tema também esbarra em lobbies da indústria farmacêutica. Empresas fabricantes oferecem descontos progressivos para inserir os medicamentos no SUS, estratégia já usada com drogas para hepatite C. Mas a comissão teme criar dependência de produtos com preços ainda distantes da realidade brasileira.
Alternativas em Discussão: O Caminho do Meio Existe?
Enquanto a polêmica esquenta, propostas intermediárias ganham espaço. Uma delas é a criação de um programa piloto para grupos específicos, como pacientes com IMC acima de 40 ou com diabetes descontrolada. Outra sugestão é priorizar a distribuição em casos onde a cirurgia bariátrica é inviável.
Enquanto isso, o Conselho Nacional de Saúde estuda incluir o tema em uma audiência pública. “Precisamos ouvir todos os lados. A obesidade é uma questão complexa que exige respostas além de ‘sim’ ou ‘não'”, afirma um representante.
O Futuro do Tratamento: Entre a Esperança e o Realismo
A decisão final ainda pode ser revertida, mas o caso deixa claro que o SUS, símbolo de universalidade, enfrenta escolhas angustiantes em um cenário de recursos limitados. Para pacientes como Maria, a esperança é que a pressão social e novas evidências científicas mudem o jogo. “Não queremos privilégios, só dignidade”, resume.
Enquanto isso, o debate segue: como equilibrar a economia e a saúde em um país onde o direito à vida muitas vezes esbarra na falta de verbas? A resposta, assim como o tratamento da obesidade, exige mais do que soluções simplistas — demanda coragem para enfrentar tabus e priorizar vidas.