Ser pai aos 16 anos não foi gesto simbólico; foi ponto de inflexão para Juan Paiva. O ator que hoje encarna personagens complexos — muitos deles homens em trânsito entre o passado e o presente — resgatou, em entrevista, a dimensão pessoal e transformadora dessa paternidade precoce. A experiência de criar Analice, sua filha, foi também a de construir um homem mais íntegro.
Quando soube que ia ser pai, Juan ainda conciliava escola e sonhos de teatro. A notícia exigiu rearranjos. Foi um choque, mas não um fim. Ele precisou amadurecer em tempo acelerado: assumir responsabilidades, rever prazos, repensar prioridades. Entre frustrações e sustos, também se viu sendo criado pela filha — ela, com sua presença, trouxe um “olhar delicado” que o obrigou a enxergar além da superfície dos desejos juvenis.
A mãe dele teve papel decisivo nesse processo. José de todas as artes domésticas, Maria (nome fictício para preservar sua história) insistiu que ele continuasse os estudos. “É só mais uma boca que a gente vai se virar para alimentar”, lembrança que mais tarde serviria de alicerce emocional, segundo Juan. A mãe não apenas acolheu: empurrou. Se por um lado estavam as noites mal dormidas, as finanças incertas e a insegurança natural da adolescência, por outro, a convicção materna foi porto firme.
Criar uma filha menina — Analice — mostrou-se divisor de águas. Não somente por reconhecer nela características dele mesmo: a timidez, a firmeza reservada; mas também porque se viu confrontado com uma maternidade feminina. Ele precisou desmontar preconceitos internos, reformular atitudes, aprender outra linguagem afetiva. “Minha cabeça de menino … eu tinha um pouco de orgulho, não dava o braço a torcer. Ela me amaciou!” diz ele, revelando como a filiação foi mais do que pai-filho: foi lição de humanidade.
Discutir racismo e identidade se tornou inevitável. Juan compartilhou episódio doloroso da filha em ambiente escolar: olhares, críticas ao cabelo afro, palavras que deixam marcas. Não são traumas externos apenas — refletem fissuras de um país que insiste em vetar parte da beleza negra. Ele assumiu, como pai, o papel de mediador e educador, de quem precisa não apenas proteger, mas preparar Analice para resistências, para espelhos que lhe digam quem ela é de fato.
Sua trajetória artística — os papéis, o reconhecimento — convive com esse outro ofício, invisível nos créditos: ser pai. Ele relata que a relação com Analice influenciou sua interpretação em Dona de Mim: rituais de cuidado que ele praticava com a filha foram incorporados ao Samuel, seu personagem, buscando autenticidade no humano frente ao ficcional.
Há uma metáfora implícita nessa história: nasce alguém que salva outros. Juan foi salvo da pressa de adolescência pelo amor, pela responsabilidade, e pela necessidade de não desistir dos sonhos. Hoje, olhando no espelho da paternidade, ele reconhece um sujeito mais sensível, mais presente, menos teatral no cotidiano — ainda que atores vivam de encenações.
Se a juventude pode ser tempo de erros previsíveis, pausar diante da paternidade e encará-la como ensino destina raro tipo de urgência: urgência de cuidar, formar, transformar. Juan Paiva emergiu dessa urgência não como vítima de circunstâncias, mas como protagonista que aprendeu que o maior papel da vida — e talvez aquele que nenhum prêmio reconhece — é ser pai.