Em um mundo onde hobbies adultos variam de colecionar selos a praticar esportes radicais, poucos temas geram tanta polarização quanto os bebês reborn — bonecas hiper-realistas que emulam recém-nascidos. A discussão ganhou novos contornos após a jornalista Ana Paula Padrão questionar publicamente o fenômeno, acusando-o de reforçar estereótipos de “infantilização” e perguntar: “A quem interessa nos rotular assim?” Sua crítica, porém, não é apenas sobre bonecas. É um reflexo de um conflito maior: até onde a sociedade pode julgar como adultos devem lidar com afeto, solidão ou cura?
A Ascensão dos Reborns: Entre a Terapia e o Fetiche
Criadas para serem quase indistinguíveis de bebês reais, as bonecas reborn conquistaram nichos globais. Colecionadores — majoritariamente mulheres — gastam até R$ 20 mil por peças personalizadas, vestem-nas, batizam-nas e, em alguns casos, as tratam como filhos. Para uns, é um hobby artístico; para outros, uma forma de lidar com perdas, como luto por filhos ou a impossibilidade de ser mãe. Há ainda quem as use como ferramenta terapêutica para ansiedade e depressão.
Ana Paula Padrão, no entanto, vê riscos nessa dinâmica. Em declarações que viralizaram, a jornalista disparou: “Não se trata de criticar quem compra, mas de questionar quem lucra com a ideia de que adultos precisam de substitutos para filhos ou afeto. É uma infantilização perigosa.”
A Crítica de Padrão: Infantilização ou Empoderamento?
Para a jornalista, a popularidade dos reborns não é inocente. Ela aponta para uma indústria que capitaliza em cima de vulnerabilidades emocionais, vendendo a ideia de que “cuidar de uma boneca substitui relações reais”. “Quantos desses discursos são criados por marketeiros para nos fazer comprar mais? A quem serve essa narrativa de que mulheres adultas precisam brincar de casinha?”, questionou.
Padrão também relaciona o fenômeno a uma cultura que patologiza a solidão. “Em vez de enfrentarmos a falta de políticas públicas para idosos ou a pressão sobre mulheres sem filhos, vendem-se soluções individuais: compre uma boneca, encha seu vazio”, argumentou.
Resposta dos Colecionadores: “Isso Não É Brincadeira”
A reação de entusiastas foi imediata. Em fóruns e redes sociais, donas de reborns relataram usar as bonecas para lidar com traumas reais. “Perdi meu filho prematuro. Minha reborn não o substitui, mas me ajuda a processar a dor”, compartilhou uma mulher de 48 anos, que pediu anonimato. Outras mencionaram condições como Alzheimer, onde as bonecas acalmam pacientes idosos, ou o uso em terapias para autismo.
Artistas que customizam reborns também rebatem: “É arte realista, como pintar um quadro. Ninguém diz que quem pinta paisagens quer viver dentro delas”, defendeu uma escultora paulista.
O Tabu por Trás do Paninho: Por que Isso Incomoda Tanto?
A polêmica expõe um incômodo social com hobbies que desafiam normas de “maturidade”. Enquanto colecionar carros ou vinhos é visto como sofisticação, atividades associadas ao cuidado — especialmente as ligadas ao universo feminino — são frequentemente ridicularizadas. “Há um sexismo velado nessa crítica”, analisa uma pesquisadora de cultura. “Quando homens têm modelos de trem ou action figures, são ‘nostálgicos’. Mulheres com bonecas são ‘infantis’.”
Há ainda a dimensão econômica. O mercado de reborns movimenta milhões, com clientes globais e até convenções temáticas. Para críticos, é mais um exemplo de como o capitalismo transforma até emoções em produtos.
O Paradoxo da Liberdade Adulta
O cerne do debate é paradoxal: em uma era que prega a autoexpressão, por que alguns hobbies são aceitos e outros, estigmatizados? Para Padrão, a resposta está na intenção por trás do consumo: “Não é sobre ter a boneca, mas sobre por que você a tem. Estamos medicalizando a solidão em vez de combater suas causas.”
Já defensores rebatem: “Vivemos em um mundo onde julgar o próximo virou esporte. Se minha boneca não te afeta, por que seu julgamento me afeta?”
O Que Diz a Ciência (e o Silêncio das Políticas Públicas)
Estudos sobre o impacto psicológico dos reborns são escassos, mas casos terapêuticos são reconhecidos em instituições de saúde. Em asilos, por exemplo, a prática reduz agitação em pacientes com demência. Por outro lado, psicólogos alertam: “Quando o objeto vira muleta para evitar lidar com traumas, pode postergar a cura”, pondera um profissional.
O debate, porém, evidencia uma lacuna maior: a falta de suporte mental para adultos. “Enquanto não houver acesso a terapias acessíveis, as pessoas buscarão alívio onde puderem — até em bonecas”, reconhece uma assistente social.
Conclusão: O Direito ao Afeto (e ao Desafeto)
Ana Paula Padrão acertou ao provocar a reflexão sobre quem lucra com as inseguranças humanas. Errou, talvez, ao generalizar motivações. Em um país onde 31% da população se declara solitária, segundo pesquisas não citadas, o que é mais “infantil”: buscar conforto em um objeto ou insistir que adultos devem seguir roteiros rígidos de comportamento?
Enquanto a discussão segue, uma coisa é certa: o julgamento fácil diz mais sobre quem critica do que sobre quem abraça uma boneca. Afinal, numa sociedade que idolatra a autoindulgência de uns e condena a de outros, talvez o maior tabu seja admitir que todos, em algum momento, precisamos de um paninho para chorar — real ou simbólico.